Monday, October 18, 2021

Brigada de Incêndio ou Brigada de Causa Raiz?

Na vila onde moro está acontecendo (mais) um fogo florestal, provavelmente criminoso, como os anteriores.  Aí, alguém propôs a criação de uma Brigada de Incêndio (GT Incêndio), como depois de todos os incêndios. Provoquei a proposta com a sugestão de uma “Brigada da Causa Raiz”. Pois como é de amplo conhecimento geral, ficar apagando incêndio sem evitar que eles aconteçam não é muito inteligente. Nesse contexto, escrevi o texto abaixo, que compartilho aqui no blog:






Me perguntaram no privado o que tinha a ver “GT Incêndio” com “GT Causa Raiz”

Pergunta mais do que apropriada, né?


Não sei se foi sorte ou azar, mas por força da graduação, com viés em Engenharia da Qualidade e de 8 anos de trabalho no mundo corporativo, trabalhei muito com uma ferramenta usada para encontrar a “Causa Raiz” daquilo que as corporações chamam de “problema”. Consiste em olhar para uma situação e ir fundo no que causa aquilo e acabar com o “mal" pela raiz. 


Por quê as corporações usam esse tipo de ferramenta? Porque se não usarem, não são viáveis. Estariam combatendo sintomas e não as causas das coisas, num custo alto, sem extirpar a causa que, se ainda ali, não impediria os sintomas de reaparecerem. 


Não demorou pra perceber que sem esse tipo de enfoque, sério, a empresa que eu trabalhava, não daria lucro e deixaria até de existir. 


E como é essa ferramenta? Bem, é provável que após ler sobre ela, você desista da leitura, porque a ferramenta é tão ridiculamente simples que é fácil não acreditar nela. Mas vou insistir.


São os “5 POR QUÊS”.


Eis um exemplo daqueles tempos: 


O problema é "rebites chegam sempre atrasados na linha de montagem”. Junta-se as pessoas envolvidas com o tema "rebites". Montadores, inspetores, almoxarifes, compradores, logística, fornecedor, fabricante, etc… Com um bom campo não-acusativo de Brainstorming, se lança a ferramenta: 


"Por quê (1) os rebites sempre chegam atrasados?”

Muitas respostas aparecem, e o grupo avalia qual(ais) é(são) relevante(s). Vou criar exemplos de RESPOSTAS escolhidas pelos participantes: “Porque o Almoxarifado diz que a encomenda sempre tá atrasada”. Ok


“Por quê (2) a encomenda sempre tá atrasada? 

Resposta escolhida entre os participantes: “Porque o fornecedor nunca manda na data prometida”. Daí, chama-se o fabricante para a conversa:


“Por quê (3), Sr. Fabricante, entregas estão sempre atrasadas?”

Resposta dele: Porque a fábrica não dá conta de tantos pedidos. Humm.. ok.


“Mas se isso acontece sempre, “por quê (4)” a sua fábrica aceita tantos pedidos?”

Ao que o fabricante responde: “Porque temos que atingir metas do acionista, e não dá pra recusar nenhum pedido”. Ok.


Nesse caso, não precisou chegar no 5o “por quê”. Já deu pra ver que a voracidade do acionista é a causa fundamental e pelo fato de ninguém mesmo ter acesso a acionistas nesse planeta, principalmente para lhes dizer que vão ganhar um pouco menos para que a fábrica possa honrar seus clientes, decidiu-se parar alí.


Mas tudo bem, porque, à partir daí (já no 4o "por quê"), se pode traçar algum plano que elimine a CAUSA RAIZ da falta de rebites, pesadelo da linha de montagem. Soluções como procurar outro fornecedor com histórico de melhores entregas, ajudar a fábrica a ampliar sua capacidade, rever o preço pago para ter prioridade sobre outros clientes, etc.


Agora, imagine se quando a falta de rebite começou a ser crítica para linha de montagem, a decisão tivesse sido “demitir o almoxarife, que nunca entrega os rebites quando a fábrica precisa”, os rebites iriam parar de faltar?


Vendo que isso fazia uma diferença enorme nas finanças e na sustentabilidade financeira da empresa, resolvi testar essas coisas em outros setores da vida. Observar se aquilo que eu vejo como um problema, não tem, na verdade, causas diferentes daquelas superficiais, fáceis de ver. E se não vale a pena sempre, tentar agir sobre as causas, ao invés de ficar tratando os sintomas.


E não é que funciona?


Você que já conhece esses raciocínios do mundo corporativo, ou mesmo da busca do Auto-conhecimento, deve estar achando isso tudo monótono. 


Mas trago isso aqui, nesse contexto comunitário, onde vivo a pelo menos 7 anos, e percebo que temos um potencial enorme de aproveitar melhor nossa energia coletiva, buscando trabalhar as causas dos nossos desafios, do que tratando os sintomas, agindo impulsivamente. De uma maneira mais positiva, plantando mais árvores para colher madeira do que perpetuando a compra na madeireira.


Até aqui tudo bem. Mas então, por quê esse tipo de abordagem não é disseminado por aí, em todas as esferas da sociedade? 


Bem, lá no mundo corporativo, o “incentivo" é o investidor, que quer dinheiro a qualquer custo. A qualquer custo também, aqueles que servem o acionista se sujeitam a essas ferramentas de encontrar Causa Raiz. Mas sentem um desconforto, pois a “bússola" do problema pode apontar para qualquer um.


A questão é que, não precisamos apontar culpados se não quisermos. Podemos procurar as causas com franqueza e trabalhar para saná-las, sem culpas. As próprias corporações, em boa medida, já tratam as coisas sem procurar culpados, e fazem isso pelo LUCRO, por assim  funciona melhor.  E se usarmos esse exemplo por um MUNDO NOVO ao invés de lucro?


O que pode acontecer é que, muitas vezes, vamos nos deparar com causas raizes bem próximas dos nossos hábitos, dos nossos desejos, que às vezes não estamos dispostos a ver ou a abrir mão.


Mas se tivermos essa disposição, com certeza novos portais de consciência vão se abrir, e seremos capazes de ser mais eficientes naquilo que nos propomos a fazer. Vamos gastar muito menos energia para realizar.


Faço aqui um interlúdio para contar uma história, que não tenho certeza que é verdadeira, mas acho que vale a pena.


A historia é que essa ferramenta, dos “5 Por quês” (5 whys em Inglês), foi inventada pelas crianças! Isso mesmo. Alguém simplesmente observou crianças no seu dia a dia, aprendendo sobra a vida e colocou num livro de Engenharia da Qualidade. Veja se vc já não viu algo assim:

  • Papai, por quê esse copo tá gelado?
  • Porque estava na geladeira, minha filha.
  • Mas por quê a geladeira gela o copo, papai?
  • Porque lá dentro tem gelo, minha filha.
  • Mas por quê lá dentro tem gelo?
  • Porque a geladeira liga na tomada e faz gelo! (rrrrr).
  • Pai, por quê então o abajur, que também liga na tomada, não faz gelo?
  • RRRRRRRRRRRR Vai brincar com o totó, vai, querida…

Adultos tem uma grande dificuldade de lidar com perguntas que não sabem responder. Mas na vida cotidiana ou nas grandes decisões que tomamos para resolver nossos “problemas”, onde aplicar nossa energia vital e nossos recursos, os impactos são MUITO diferentes quando reagimos impulsivamente ao que se apresenta para nós, sem olhar para as causas. Se o pai da historinha acima tivesse pedido um tempo para estudar o assunto, teria aprendido sobre ele, teria explicado para a filha e não teria deixado uma criança meio decepcionada com o pai, que descartou a companhia dela por não saber responder.


Mas quando temos o cuidado de observar tudo isso, volto a dizer, gastamos menos energia vital e, provavelmente, causamos menos impacto, menos pegada ambiental, por aí. 


Me atrevo aqui a propor um exercício sobre essa questão que se coloca sobre nós mais uma vez: o FOGO FLORESTAL.

  1. Por quê se iniciam incêndios florestais numa região onde alguém quer fazer um loteamento? : (Uma exemplo de resposta possível, a ser confirmada) :Porque alguém inicia o fogo.
  2. Por quê alguém inicia o fogo? : R.: Para destruir a vegetação e facilitar uma licença ambiental (ainda que ilegalmente); porque o local “já está destruído”.
  3. Por quê alguém quer facilitar uma licença ambiental (ainda que ilegalmente)? R.: Para fazer um loteamento e vender lotes (ainda que tenha havido fogo ilegal para forçar uma licença ambiental);
  4. Por quê alguém vende lotes nessas condições? R.: Vende porquê tem quem compre, ainda que a licença ambiental tenha sido ilegal, obtida também por conta de fogo florestal ilegal.
  5. Por quê alguém compra lotes nessas condições de ilegalidade? R.: Por falta de conhecimento /consciência de tudo isso? 

O que fazer com essas conclusões? Muitas ações podem ser propostas, como: Brigada de Incêndio, comissão para pressionar o Poder Público na investigação sobre causa do fogo, comissão para pressionar o cumprimento das Leis de Proteção de Restingas e Manguezais, comissão de divulgacão da verdade sobre os processos de loteamentos para potenciais compradores, etc.


Isso é só um exemplo hipotético, é claro. Teríamos que nos reunir em brainstorming para ser real.


Proponho que, além de (mais uma vez) trabalharmos para a existência de uma brigada de incêndio, investiguemos juntos as causas raizes desse fogo. Esta ferramenta  dos “5 por quês” é apenas uma sugestão, mas que possamos, com qq ferramenta, ir além dos sintomas. Para este e todos os outros assuntos que nos desafiam.


Axé!